O setor de seguros na vanguarda da sustentabilidade brasileira: transformação em meio às mudanças climáticas

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Com mais de R$ 435 bilhões em arrecadação em 2024 e crescimento de 12,2% em relação ao ano anterior, o setor de seguros brasileiro vive um momento de transformação profunda. Impulsionado pela urgência das mudanças climáticas e pelas novas exigências regulatórias, o mercado segurador tem se posicionado como protagonista na agenda de sustentabilidade nacional, redefinindo produtos, investimentos e práticas operacionais para um futuro mais resiliente.

Marco regulatório redefine o setor

A partir de 2025, as seguradoras brasileiras operam sob um novo paradigma. A Resolução CNSP nº 473/2024 da Superintendência de Seguros Privados (Susep) estabelece critérios rigorosos para que produtos sejam reconhecidos como sustentáveis, marcando o fim de uma era de práticas fragmentadas e inaugurando uma fase de regulamentação estruturada.

Os produtos que atenderem aos critérios estabelecidos receberão um “selo verde” para representar seu compromisso com a sustentabilidade. Para serem classificados como sustentáveis, os seguros devem gerar benefícios climáticos físicos, climáticos de transição, ambientais ou sociais aos segurados, beneficiários ou à sociedade.

Alessandro Octaviani, superintendente da Susep, destaca a importância estratégica dessa medida: “Os desafios climáticos representam riscos, claro, mas também grandes oportunidades. O mercado de seguros, com sua escala e papel estratégico, pode liderar a transformação para uma economia mais sustentável”.

Impacto das mudanças climáticas no setor

O Brasil deixou de ser considerado um país de baixo risco climático. As enchentes no Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 exemplificam essa nova realidade: as seguradoras pagaram cerca de R$ 6 bilhões em indenizações, valor que se aproxima dos R$ 7 bilhões desembolsados durante toda a pandemia de Covid-19 (Valor Econômico).

Segundo relatório do Swiss Re Institute, as perdas seguradas por catástrofes naturais em 2024 totalizaram USD 137 bilhões globalmente, seguindo a tendência de crescimento anual real de 5 a 7%. No Brasil, o aumento da frequência de eventos extremos tem forçado seguradoras a repensar completamente seus modelos atuariais tradicionais.

Transformação digital e sustentável

As seguradoras têm adotado práticas inovadoras para reduzir seu impacto ambiental e promover a economia circular. A AXA oferece celulares recondicionados aos clientes em casos de sinistro, uma medida que reduz o descarte de aparelhos eletrônicos. “A produção de um smartphone convencional demanda entre 10 e 12 mil litros de água, o equivalente a um caminhão-pipa”, destacando o impacto significativo dessa iniciativa.

Tokio Marine destinou mais de 900 toneladas de veículos sinistrados para reciclagem. “Os recicladores decompõem os materiais dos veículos e os devolvem à indústria, o que fomenta a economia circular. Praticamente nada vai para aterro sanitário”, afirma André Cordeiro, superintendente de Estratégia de Mercado, Qualidade e ESG da companhia.

No campo da digitalização, a Zurich reporta que 40% dos sinistros são regulados através de modelos de vistoria remota, gerando economia significativa de emissões de carbono ao eliminar deslocamentos.

Evolução da consciência ESG

O comprometimento do setor com questões ambientais, sociais e de governança (ESG) registrou crescimento expressivo. Segundo o Relatório de Sustentabilidade da CNseg, o número de seguradoras que declaram considerar critérios ESG no desenvolvimento de produtos e serviços saltou de 43% em 2016 para 73,7% em 2021.

Contudo, avaliações independentes mostram que ainda há um longo caminho a percorrer. No Ranking da Atuação Socioambiental de Instituições Financeiras (RASA) de 2025, a seguradora com melhor desempenho, a Mapfre, alcançou apenas 12,80 pontos em uma escala de zero a cem. “Ainda estamos em um estágio inicial de maturidade”, reconhece Luciane Moessa, diretora Executiva e Técnica da SIS.

Produtos inovadores e investimentos verdes

O mercado tem desenvolvido produtos específicos para atender às demandas de sustentabilidade. A Zurich oferece seguros customizados para veículos elétricos, incluindo cobertura para cabos de carregamento e assistência 24h diferenciada. A empresa também fornece coberturas para riscos relacionados à instalação e operação de painéis solares.

No segmento de investimentos, as seguradoras brasileiras enfrentam uma nova obrigatoriedade: a Lei 15.042/2024 determina que 0,5% das provisões técnicas sejam destinadas a créditos de carbono ou fundos que invistam nesse ativo, representando entre R$ 7 bilhões e R$ 9 bilhões anuais.

Roadmap de sustentabilidade e estratégia setorial

CNseg desenvolveu um Roadmap de Sustentabilidade para orientar as ações do setor, estruturado em três eixos principais: promoção de uma transição justa para economia sustentável e de baixo carbono; estímulo à resiliência da sociedade frente às mudanças climáticas; e promoção da inclusão e combate à desigualdade.

Entre as iniciativas propostas estão o desenvolvimento de seguros para crédito de carbono, mecanismos de seguro para infraestruturas urbanas, criação de um hub de dados climáticos e programas de inclusão social como o Seguro Social Catástrofe.

Preparação para a COP30

O Brasil se prepara para sediar a COP30 em novembro de 2025, em Belém, e o setor de seguros terá protagonismo inédito nessa agenda. A CNseg criou a “Casa do Seguro“, um espaço de 1.600m² que funcionará como embaixada oficial do setor durante a conferência.

O espaço contará com plenária para 100 pessoas, seis salas de reunião, business lounges, estúdio para podcasts e sala de imprensa, apoiado por grandes seguradoras como Allianz, AXA, Mapfre, Porto, Prudential e Tokio Marine.

Desafios e oportunidades

Apesar dos avanços, o setor enfrenta desafios significativos. A baixa penetração de seguros no Brasil – especialmente seguros ambientais, com apenas 12% das empresas do índice de sustentabilidade da B3 tendo cobertura contra riscos ambientais – indica um vasto potencial de crescimento.

As seguradoras que integram critérios ESG em suas operações são vistas como tendo melhor gestão de riscos e oportunidades socioambientais. A Circular Susep nº 666/2022 criou o marco regulatório de sustentabilidade, gerando expectativa de adesão absoluta pelas seguradoras na inclusão do tema ESG em suas estratégias de negócios.

O futuro da sustentabilidade em seguros

O setor de seguros brasileiro está em uma encruzilhada histórica. Com participação de aproximadamente 6% no PIB nacional e recursos sob gestão equivalentes a 25% da dívida pública brasileira, as seguradoras têm tanto os recursos quanto a responsabilidade de liderar a transição para uma economia mais sustentável.

A expertise na subscrição e gestão de riscos torna as seguradoras players estratégicos para a agenda de sustentabilidade. Como um dos maiores investidores institucionais do país, o setor tem recursos e interesse em investir em ativos reconhecidamente “verdes” ou “de impacto”, posicionando-se como protagonista na construção de um futuro mais resiliente e sustentável para o Brasil.

Com a COP30 no horizonte e novas regulamentações em vigor, o setor de seguros brasileiro tem a oportunidade de demonstrar ao mundo que é possível aliar crescimento econômico, proteção social e responsabilidade ambiental, estabelecendo um novo paradigma para a indústria global de seguros.

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